sexta-feira, 11 de março de 2016

Fragmentos da História

Como e porque se criam fábulas.

I – SÓCRATES, morto por ingestão de cicuta pelos governantes de Atenas ( sec. V a.C)

Sócrates _ Existem dois tipos de discursos, os verdadeiros e os falsos ?
Adimanto_ Sim, existem.
Sócrates_ Ambos entrarão na nossa educação ou começaremos pelos falsos?
Adimanto_ Não estou entendendo.
Sócrates_ Nós não começamos contando fábulas para as crianças? Geralmente falsas , embora encerrem algumas verdades. Utilizamos essas fábulas para a educação das crianças antes de levá-las ao ginásio.
Adimanto_ É verdade.
Sócrates _ E não sabes que o começo, em todas essas coisas , é sempre o mais importante. Mormente para os jovens. Com efeito, é sobretudo nesse momento que os modelamos e que eles recebem a marca que desejamos imprimir-lhes.
Adimanto_ Com certeza.
Sócrates_ Portanto, parece-me que precisamos começar por vigiar os criadores de fábulas, separar as suas composições boas das más. Em seguida convenceremos as amas e as mães a contarem aos filhos as que tivermos escolhidos (…) Pois uma criança pode não diferenciar uma alegoria do que não é, e as opiniões que recebem nessa idade se tornam indeléveis e inabaláveis.
Adimanto: Tal regra me agrada.
Sócrates_ Então essa é a primeira regra e o primeiro modelo que devemos obedecer (para uma nova religião) nos discursos e nas composições poéticas: Deus não é a causa de todo, mas tão-sómente do bem (...)Assim, pois, a natureza demoníaca e divina é completamente estranha à mentira.
Adimanto_ Completamente
Sócrates_ Aceitas , então, essa segunda regra a respeito dos deuses, não são mágicos que mudam de forma e não nos confundem com mentiras, palavras ou atos.
A República de Platão _ Os pensadores, pag. 64 a 72.


II – JULIANO, imperador romano, assassinado (reinou entre 361 a 363 de nossa era).

Juliano _ Bispo (Melécio, de Alexandria), eu não queria essa guerra entre nós. Eu disse e estava sendo sincero: todos os cultos serão tolerados por mim . Não queremos nada além do que nos pertence.
Libânio _ Em alguns anos tenho certeza ( que Juliano) teria restabelecido as antigas religiôes. Os cristãos não oferecem o suficiente (para o povo), embora deva dizer que são bastantes ousados no modo como adaptam nossos mais sagrados festivais e rituais para seus próprios fins (…) Ora, estou perfeitamente disposto a concordar que o caminho dos cristãos é um dos caminhos para o conhecimento. Mas não o único, como dizem eles. Pois, se fosse, por que essa ânsia de roubar de nós? Não consigo ver nada de bom nesse sistema religioso, por mais que absorva nossos antigos costumes e use, para seus próprios fins o humor e a lógica dos helenos. Agora, nâo tenho dúvidas que os cristãos vencerão (…) é significativo que esse culto da morte esteja se firmando justamente quando os bárbaros estão a se reunir em nossas fronteiras.
Juliano, de Gore Vidal – Ed. Rocco - pag. 342 a 345.



III – VOLTAIRE , filósofo iluminista, 1694 a 1778, acusado de sacrilégio morto em 30 de maio.
Vários foram os sábios que se surpreenderam por não encontrarem no historiador (judeu) Flávio Josefo o menor rastro de Jesus Cristo(...) descreve até os mais íntimos pormenores os atos deste monarca (Herodes); todavia não tem uma palavra sobre a vida e da morte de Jesus; e esse historiador , que não dissimula nenhuma das crueldades cometidas por Herodes, nunca fala do massacre, por ele ordenado, de todas as crianças (quatorze mil) , em consequência da notícia que lhe chegar aos ouvidos de ter nascido um rei dos judeus (...) Guarda ainda silêncio sobre as trevas que cobriram a terra inteira, em pleno meio dia ,durante três horas, na morte do Salvador , acerca da enorme quantidade de sepulcros que a essa altura se abriram; e sobre a multidão de justos que ressucitara. Os estudiosos não param de exteriorizar a sua surpresa ao notarem que nenhum historiador romano falou de tais prodígios, acontecidos no reinado de Trajano perante os olhos de um governador romano e em frente a uma guarnição romana (…) Mas (talvez) Deus não quis que estas coisas divinas fosse escritas por mão profanas”.
Dicionário Filosófico, de Voltaire – Os Pensadores – pag.132.


IV -NIETZSCHE, filósofo existencialista, filólogo e historiador ,1844 a 1900.

Apenas quero mencionar de leve, aqui, o problema da origem do cristianismo. A primeira proposição é: o cristianismo só pode ser compreendido a partir da região onde se desenvolveu; não se trata de um movimento contra o instinto judeu, mas sim de sua consequência(...)Para usar a fórmula do Redentor: “a salvação vem dos judeus”. A segunda proposição: O tipo psicológico do Galileu, reconhecível até hoje apesar de sua própria degenerência (que é simultaneamente mutilado por traços estrangeiros); ele corresponde justamente ao que era necessário, ao tipo do salvador da humanidade. (...)Falsificado o conceito de Deus (do Deus hebreu, guerreiro e temível), falsificado o conceito de moral, (Moral como radical empobrecimento da fantasia, como “mau olhado “ para todas as coisas) o corpo sacerdotal judeu não parou por aí. A história inteira de Israel era desnecessária: portanto: fora com ela. (…) Essa falsificação bíblica é parte dessa documentação: com um escárnio sem igual por toda tradição e toda realidade histórica. Teríamos com muito mais dor esse ato de falsificação da história se milênios de interpretação eclesiástica da história não nos tivéssemos tornados tão apáticos a respeito das exigências de integridade dos historiadores”.
O anticristo- Maldição do Cristianismo, de Nietzsche_ Clássicos Econômicos Newton_ pag. 45 a 48.

V- Richard Dawkins, zoólogo e cientista contemporâneo, nasceu em 1941.

Na prática os escribas (a escrita representou um grande avanço na exatidão, em comparação com a memória e a tradição oral) são falíveis e não são imunes a desvirtuar sua cópia para fazê-la dizer coisas que eles (sem dúvida sinceramente) pensam que o documento original deveria ter dito. O mais célebre exemplo disso, meticulosamente documentado por teólogos alemães do século XIX, é a adulteração da história do Novo Testamento, para adequá-la as profecias do Antigo Testamento. Os escribas envolvidos provavelmente não tinham a intenção de ser embusteiros. Assim como os autores do Evangelhos, que viveram muito tempo depois da morte de Cristo, eles sinceramente acreditavam que Jesus fora a encarnação das profecias messiânicas do Antigo Testamento. Portanto, ele “sem dúvida” nascera em Belém e descendia de Davi. Se os documentos, inexplicavelmente, não afirmavam tais coisas, era consciencioso dever do escriba retificar a falha. Suponho que um escriba suficientemente devoto não teria considerado isso uma falsificação, do mesmo modo que não julgamos estar falsificando nada quando corrigimos automaticamente um erro de grafia ou um tropeço gramatical”.
A grande história da evolução, de Richard Dawkins – Companhia das Letras – pag. 37.

VI -Umberto Eco, filósofo e romancista – 1932 a 2016.

Procure, Carlo Maria Martini, para bem da discussão e do confronto em que acredita, aceitar, mesmo por um instante, a hipótese de que Deus não exista: que o homem , por um erro desajeitado do acaso, tenha surgido na Terra entregue a sua condição mortal e, como se não bastasse, condenado a ter consciência disso e, portanto, que seja imperfeitíssimo entre os animais (e permita-me o tom leopardino dessa hipótese). Esse homem, para encontrar coragem para esperar a morte, tornou-se forçosamente um animal religioso, aspirando construir narrativas capazes de fornecer-lhe um modelo uma explicação, uma imagem exemplar. E entre tantas consegue imaginar _ algumas fulgurantes, outras terríveis, outras ainda pateticamente consoladoras _ chegando à plenitude dos tempos, tem, em um momento determinado, a força religiosa, moral e poética de conceber o modelo do Cristo, do amor universal, do perdão dos inimigos , da vida oferta em holocausto pela salvação do outro. Se eu fosse um viajante proveniente das galáxias distantes e me visse diante de uma espécie que soube propor tal modelo, admiraria, subjugado, tanta energia teogônica e julgaria redimida esta espécie miserável e infame, que tantos horrores cometeu, apenas pelo fato de que conseguiu desejar e acreditar que tal seja verdade”.

O que creem os que não creem, de Umberto Eco e Carlos Maria Martini_ Editora Record _ pag. 89.

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