Como e porque se
criam fábulas.
I –
SÓCRATES, morto por ingestão de cicuta pelos governantes de Atenas
( sec. V a.C)
Sócrates _ Existem
dois tipos de discursos, os verdadeiros e os falsos ?
Adimanto_ Sim,
existem.
Sócrates_ Ambos
entrarão na nossa educação ou começaremos pelos falsos?
Adimanto_ Não estou
entendendo.
Sócrates_ Nós não
começamos contando fábulas para as crianças? Geralmente falsas ,
embora encerrem algumas verdades. Utilizamos essas fábulas para a
educação das crianças antes de levá-las ao ginásio.
Adimanto_ É
verdade.
Sócrates _ E não
sabes que o começo, em todas essas coisas , é sempre o mais
importante. Mormente para os jovens. Com efeito, é sobretudo nesse
momento que os modelamos e que eles recebem a marca que desejamos
imprimir-lhes.
Adimanto_ Com
certeza.
Sócrates_ Portanto, parece-me que precisamos começar por vigiar
os criadores de fábulas, separar as suas composições boas das más.
Em seguida convenceremos as amas e as mães a contarem aos filhos as
que tivermos escolhidos (…) Pois uma criança pode não diferenciar
uma alegoria do que não é, e as opiniões que recebem nessa idade
se tornam indeléveis e inabaláveis.
Adimanto: Tal regra me agrada.
Sócrates_ Então essa é a primeira regra e o primeiro modelo que
devemos obedecer (para uma nova religião) nos discursos e nas
composições poéticas: Deus não é a causa de todo, mas
tão-sómente do bem (...)Assim, pois, a natureza demoníaca e divina
é completamente estranha à mentira.
Adimanto_ Completamente
Sócrates_ Aceitas , então, essa segunda regra a respeito dos
deuses, não são mágicos que mudam de forma e não nos confundem
com mentiras, palavras ou atos.
A República de
Platão _ Os pensadores, pag. 64 a 72.
II – JULIANO, imperador romano, assassinado (reinou entre 361 a
363 de nossa era).
Juliano _ Bispo (Melécio, de Alexandria), eu não queria essa
guerra entre nós. Eu disse e estava sendo sincero: todos os cultos
serão tolerados por mim . Não queremos nada além do que nos
pertence.
Libânio _ Em alguns anos tenho certeza ( que Juliano) teria
restabelecido as antigas religiôes. Os cristãos não oferecem o
suficiente (para o povo), embora deva dizer que são bastantes
ousados no modo como adaptam nossos mais sagrados festivais e rituais
para seus próprios fins (…) Ora, estou perfeitamente disposto a
concordar que o caminho dos cristãos é um dos caminhos para o
conhecimento. Mas não o único, como dizem eles. Pois, se fosse, por
que essa ânsia de roubar de nós? Não consigo ver nada de bom nesse
sistema religioso, por mais que absorva nossos antigos costumes e
use, para seus próprios fins o humor e a lógica dos helenos. Agora,
nâo tenho dúvidas que os cristãos vencerão (…) é significativo
que esse culto da morte esteja se firmando justamente quando os
bárbaros estão a se reunir em nossas fronteiras.
Juliano, de
Gore Vidal – Ed. Rocco - pag. 342 a 345.
III – VOLTAIRE , filósofo iluminista, 1694 a 1778, acusado de
sacrilégio morto em 30 de maio.
“ Vários foram os sábios que se surpreenderam por não
encontrarem no historiador (judeu) Flávio Josefo o menor rastro de
Jesus Cristo(...) descreve até os mais íntimos pormenores os atos
deste monarca (Herodes); todavia não tem uma palavra sobre a vida e
da morte de Jesus; e esse historiador , que não dissimula nenhuma
das crueldades cometidas por Herodes, nunca fala do massacre, por ele
ordenado, de todas as crianças (quatorze mil) , em consequência
da notícia que lhe chegar aos ouvidos de ter nascido um rei dos
judeus (...) Guarda ainda silêncio sobre as trevas que cobriram a
terra inteira, em pleno meio dia ,durante três horas, na morte do
Salvador , acerca da enorme quantidade de sepulcros que a essa altura
se abriram; e sobre a multidão de justos que ressucitara. Os
estudiosos não param de exteriorizar a sua surpresa ao notarem que
nenhum historiador romano falou de tais prodígios, acontecidos no
reinado de Trajano perante os olhos de um governador romano e em
frente a uma guarnição romana (…) Mas (talvez) Deus não quis que
estas coisas divinas fosse escritas por mão profanas”.
Dicionário Filosófico, de
Voltaire – Os Pensadores – pag.132.
IV -NIETZSCHE, filósofo existencialista, filólogo e historiador
,1844 a 1900.
“ Apenas quero mencionar de leve, aqui, o problema da origem do
cristianismo. A primeira proposição é: o cristianismo só pode ser
compreendido a partir da região onde se desenvolveu; não se trata
de um movimento contra o instinto judeu, mas sim de sua
consequência(...)Para usar a fórmula do Redentor: “a salvação
vem dos judeus”. A segunda proposição: O tipo psicológico do
Galileu, reconhecível até hoje apesar de sua própria degenerência
(que é simultaneamente mutilado por traços estrangeiros); ele
corresponde justamente ao que era necessário, ao tipo do salvador da
humanidade. (...)Falsificado o conceito de Deus (do Deus hebreu,
guerreiro e temível), falsificado o conceito de moral, (Moral como
radical empobrecimento da fantasia, como “mau olhado “ para todas
as coisas) o corpo sacerdotal judeu não parou por aí. A história
inteira de Israel era desnecessária: portanto: fora com ela. (…)
Essa falsificação bíblica é parte dessa documentação: com um
escárnio sem igual por toda tradição e toda realidade histórica.
Teríamos com muito mais dor esse ato de falsificação da história
se milênios de interpretação eclesiástica da história não nos
tivéssemos tornados tão apáticos a respeito das exigências de
integridade dos historiadores”.
O anticristo- Maldição do Cristianismo, de Nietzsche_ Clássicos
Econômicos Newton_ pag. 45 a 48.
V- Richard Dawkins, zoólogo e cientista contemporâneo, nasceu em
1941.
“Na prática os escribas (a escrita representou um grande avanço
na exatidão, em comparação com a memória e a tradição oral) são
falíveis e não são imunes a desvirtuar sua cópia para fazê-la
dizer coisas que eles (sem dúvida sinceramente) pensam que o
documento original deveria ter dito. O mais célebre exemplo disso,
meticulosamente documentado por teólogos alemães do século XIX, é
a adulteração da história do Novo Testamento, para adequá-la as
profecias do Antigo Testamento. Os escribas envolvidos provavelmente
não tinham a intenção de ser embusteiros. Assim como os autores do
Evangelhos, que viveram muito tempo depois da morte de Cristo, eles
sinceramente acreditavam que Jesus fora a encarnação das profecias
messiânicas do Antigo Testamento. Portanto, ele “sem dúvida”
nascera em Belém e descendia de Davi. Se os documentos,
inexplicavelmente, não afirmavam tais coisas, era consciencioso
dever do escriba retificar a falha. Suponho que um escriba
suficientemente devoto não teria considerado isso uma falsificação,
do mesmo modo que não julgamos estar falsificando nada quando
corrigimos automaticamente um erro de grafia ou um tropeço
gramatical”.
A grande história da evolução, de Richard Dawkins – Companhia
das Letras – pag. 37.
VI -Umberto Eco, filósofo e romancista – 1932 a 2016.
“ Procure, Carlo Maria Martini, para bem da discussão e do
confronto em que acredita, aceitar, mesmo por um instante, a hipótese
de que Deus não exista: que o homem , por um erro desajeitado do
acaso, tenha surgido na Terra entregue a sua condição mortal e,
como se não bastasse, condenado a ter consciência disso e,
portanto, que seja imperfeitíssimo entre os animais (e permita-me o
tom leopardino dessa hipótese). Esse homem, para encontrar coragem
para esperar a morte, tornou-se forçosamente um animal religioso,
aspirando construir narrativas capazes de fornecer-lhe um modelo uma
explicação, uma imagem exemplar. E entre tantas consegue imaginar _
algumas fulgurantes, outras terríveis, outras ainda pateticamente
consoladoras _ chegando à plenitude dos tempos, tem, em um momento
determinado, a força religiosa, moral e poética de conceber o
modelo do Cristo, do amor universal, do perdão dos inimigos , da
vida oferta em holocausto pela salvação do outro. Se eu fosse um
viajante proveniente das galáxias distantes e me visse diante de uma
espécie que soube propor tal modelo, admiraria, subjugado, tanta
energia teogônica e julgaria redimida esta espécie miserável e
infame, que tantos horrores cometeu, apenas pelo fato de que
conseguiu desejar e acreditar que tal seja verdade”.
O que creem os que não creem, de Umberto Eco e Carlos Maria
Martini_ Editora Record _ pag. 89.
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