quarta-feira, 29 de abril de 2015

Dos Prodígios

Dos milagres

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar a água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!

Mario Quintana


(Uma mensagem dedicada a Mario Quintana)


Prodígio não é andar no mar revolto
Por ser filho de um deus, seco e enxuto
Nem voar nas asas de satã e ser tentado
Num deserto e por quarenta dias jejuado

Nem de uma virgem ter nascido
E, quando adulto, ser ressuscitado.
Prodígio foi manipularem o mundo
Com eventos tão estapafúrdios!

23/12/2011

segunda-feira, 27 de abril de 2015

E O VERBO SE FEZ CARNE...


Foi nas terras que margeiam os rios Tigres e Eufrates conhecidas como Mesopotâmia, território de muitas disputas e invasões, pois porto generoso para muitos povos nômades que viam em suas terras férteis_ irrigadas por esses grandes rios_  o fim de suas peregrinações e ali tentavam se fixar; que sumérios, caldeus, hititas, babilônios, assírios erigiram seus impérios e os viram desabar. A roda inflexível do tempo, com suas engrenagens lubrificadas pelo sangue de milhares de guerreiros, sempre é alheia a amplidão das conquistas e a intensidade de seus apogeus.
Foi nesse berço do mundo, cenário de antigas civilizações, que os hebreus em debandada _ depois que Ciro II os libertou dos babilônicos_ viram a possibilidade de terminar com suas agonias errantes, unir suas pequenas tribos e orientá-las rumo à Palestina, aonde edificariam uma das mais exuberantes cidades do mundo antigo com o seu suntuoso templo reconstruído: a bela Jerusalém.
Não foi somente a paisagem que o povo hebreu que em nome de Iawhé, na perambulação em busca da terra prometida (a terra de pão e mel), modificou. Aos poucos, no decorrer dos séculos, à medida que moldava a sua própria religião filtrando-a de seus matizes mesopotâmicas e purificando-a com sua fé inquebrantável e fanática abnegação, acabou por disseminar a crença num único Deus às tribos vizinhas e, com o decorrer dos séculos, por grande parte da humanidade. Só uma religião poderia reunir aquele povo rústico e suas tribos nem sempre pacíficas e esboçar os elementos basilares de uma nacionalidade. E assim o fez com toda rigidez, recheada de preceitos morais e jurídicos.
Se tais ordenamentos não tinham a delicadeza filosófica dos gregos, nem a precisão dos códigos romanos, serviu e foi suficiente para preservá-los como nação, mesmo no meio de invasões, jugos e tantas dispersões à que foram submetidos na terra de Canaã.
No entanto, sua crença não passou incólume a ídolos e os teve em diferentes épocas e antes que passassem pelo crivo dos profetas legisladores como Ezequiel, Melquias e Isaías, deuses babilônicos, assírios e divindades caldeias conviveram com Iawhé na mente e no espírito daqueles pastores descendentes de Abraão _ e fizeram parte de seu credo_ mesmo depois que o ensandecido Elias, enfurecido com a idolatria do povo pusesse abaixo a estátua de Baal.
A crença em um Deus, senhor do Bem e do Mal, só aos poucos lhes foi inculcada, tomada de empréstimo da doutrina de Zoroastro da invasora Pérsia já em decadência, que viu sua hegemonia sendo tragada pelos guerreiros gregos. A esperança em um Messias e seu reino não terreno despontaria séculos mais tarde nos passos do mitraísmo, seita também zoroástrica que antes dela também teve o seu crucificado, recepcionou o Império Romano e abriu as portas para Aquele que viria a ser negado pelos próprios judeus.
O espírito guerreiro dos filhos de Davi se sucumbiria diante do conquistador romano _ tripudiado pelas autoridades judaicas_ que temendo represálias e pretendendo manter o que lhe restara de privilégios e preservar o culto e suas sinagogas, renderam-se às exigências de um Império que manteria as tradições dos vencidos em troca da extirpação de qualquer tentativa de emancipação e rebeldia. Porém nem todos aceitaram de bom grado a conivência servil dos fariseus, nem o colaboracionismo dos saduceus. As estradas, então, foram ficando pontilhadas de cruzes, evidenciando que não se deveria duvidar da intolerância romana. Na sua expansão o Império Romano tratava de perpetuar sua dominação sobre os povos dominados em dois sentidos: exigindo obediência e  a submissão guerreira dos adolescentes masculinos dos povos dominados _ raptados de seus pais_ e tirando a virgindade de suas donzelas. O Império assumiria assim total supremacia sobre seus servos, espiritual e geneticamente.
Na reviravolta da História, Roma, sitiada pelos bárbaros, clamava por uma nova religião que unificasse o Império decadente. O cristianismo, então, nascido no Oriente, assimilaria os ritos romanos, impor-lhe-ia um novo calendário com novos mitos e contribuiria assim para a decadência romana que levaria o Ocidente à Idade das Trevas... Debaixo das vestes papais.

Primeiro dia do ano um de Nosso Senhor Jesus Cristo.

sábado, 25 de abril de 2015

CAMAFEU


Como um camafeu
por deuses esculpido
reparto-me em filigranas
dobras, ranhuras
nas cavas céticas de reminiscências vãs
soçobrando-me em dúvidas
que se esboroaram numa mente sã.
E, no anacronismo desta moldura estéril
sobram-me estilhaços n'alma débil
chamuscada na lava do não-ser
que se expandem
ferindo em setas
meu corpo
 ateu.

junho/97

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Um Terceiro Deus

Um Terceiro Deus”

Creio que as teses de Huntington sobre o “choque de civilizações”, atacadas por uns e celebradas por outros aquando do seu aparecimento, mereceriam agora um estudo mais atento e menos apaixonado. Temo-nos habituado à ideia de que a cultura é uma espécie de panaceia universal e de que os intercâmbios culturais são o melhor caminho para a solução de conflitos. Sou menos optimista. Creio que só uma manifesta e ativa vontade de paz poderia abrir a porta a esse fluxo cultural multidirecional, sem ânimo de domínio de qualquer de suas partes. Essa vontade talvez exista por aí, mas não os meios para concretizar. Cristianismo e islamismo continuam a comportar-se como inconciliáveis irmãos inimigos incapazes de chegar ao verdadeiro pacto de não agressão que talvez trouxesse alguma paz no mundo. Ora, já que inventámos Deus e Alá, com os desastrosos resultados conhecidos, a solução talvez estivesse em criar um terceiro deus com poderes suficientes para obrigar os impertinentes desavindos a depor as armas e deixar a humanidade em paz. E que depois esse terceiro deus nos fizesse o favor de retirar-se do cenário aonde se vem desenrolando a tragédia de um inventor, o homem, escravizado pela sua própria criação, deus. O mais provável, porém, é que isso não tenha remédio e que as civilizações continuem a se chocar umas com as outras.

José Saramago
                                                                                                                        (16/11/1922 - 18/06/2010)

O texto de J. Saramago, escrito pouco antes de seu falecimento, hoje, que o Estado Islâmico reivindica a sua existência, com métodos bárbaros e um fanatismo insano, assume um contexto histórico e aterrorizador. Esse conflito interminável poderá levar à região a maior guerra fratricida dos últimos cinquenta anos. Geopoliticamente falando, o estado judeu já se prepara para enfrentar a agora ISIS. Israel tem um exército aéreo e nuclear que supera seus rivais somados : Irã, Síria, Líbia, Iraque, etc... E não titubeará em invadir suas fronteiras. O Estado Islâmico por sua vez nada mais quer do que avançar em uma terra arrasada.