terça-feira, 27 de outubro de 2015

À Prole Desdentada


Faróis
desembocam na boca
da noite-metal.
Escorre
nos paralelepípedos
translucidando a claridade noturna
o fétido óleo dos motores
a luzir
estragados
dentes-dinheiro
tragados nos bueiros dos shoppings
pinçados de tuas veias.

Otário proletário_ julgam
os intelectuaisputosburgueses_
quando sorris aos souvenires
que sugam o teu salário-suor
odor da cantilena neoliberal.

À eles
é fácil mutilar
um a um os teus sonhos
enquanto estão a dormir
obscenamente em berço esplêndido.

À ti,
cabe de lá derribá-los
com o ruído de seus reais pesadelos:
aluguéis aviltantes
copos de leite negados
salário-da-morte-mínima
que se escorrega
devagar pelas geladeiras vazias
para o esgoto das ruas quentes de mosquitos.

Vilipendiam-se
na social-demagogia a tua cidadania
Até quando
pagarás sem revolta
o assolamento das epidemias
na sorvida melancolia de seus dias?

agosto/97

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Entes Fantasmagóricos

ENTES FANTASMAGÓRICOS DE UM PASSADO TRISTE


Foram, antes de tudo, discretos.
Receberam uma educação sublime
(e, além do berço, alguma herança... ou falcatruas).
Fizeram ouvidos moucos aos acontecimentos políticos.
Votaram sempre a favor dos nossos algozes
mesmo quando havia no ar uma reviravolta possível.
Nunca ergueram a voz em protesto
nem gritaram contra injustiças.
Hoje quando perceberam
que,irreversivelmente as mudanças
se fizeram possíveis
dizem cinicamente: eu contribui com tudo isso.
Fizeram-se então, como fogo-fátuos
de pequenas miragens, presentes nas histórias alheias.
Tentam desfilar, ainda, como suprassumos da modernidade
e como oposição arrotam arrogâncias
apesar de não entenderem
porque o futuro de seus filhos
graças a eles, pode estar comprometido.
Se nutrem de golpes e se dizem democratas*
Canalhas! Canalhas! Canalhas!

Frases acrescidas em 2016

17/02/08

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Aos Idiotas

(do grego idiotis que significa aquele que despreza tudo que é público, alienado)

O idiota é um imbecil
não se deprime
pois se acha o máximo
julgando-se acima do bem e do mal
não se lamenta, nem se culpa
pois é desprovido de autocrítica
(em altos brados vangloria-se de seus próprios feitos)
não aceita conselhos
nem ouve a voz ao lado
mesmo que depois assuma
como suas, ideias alheias.
Normalmente tem alguma cultura
senão se escorregaria no limbo da ingenuidade
(prerrogativa dos loucos e dos bem-intencionados)
medíocre e chulo, não é digno de confiança
nem passível de pena e sim, desprezo.
O idiota é um estorvo social,
mas nunca perceberá isso.


                                                                                                         
 José Araujo
30/01/10

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Investir na Rebeldia



Vamos investir na pura rebeldia?
Nessa sociedade moralista,
hipócrita e conservadora,
que tem medo de crianças da periferia
e guarda às suas há sete chaves em colégios moralistas.
Que tal falarmos aos nossos filhos que o céu não existe
e que a catequização faz parte dessa enganação?
Podemos assumir que o papai noel nunca cruzou os trópicos
e que o saci-pererê nunca fez mal a fada madrinha.
Que é impossível ser filho de virgem e ressuscitar no terceiro dia.
Será que não forjamos tais mitos para perpetuar outros ainda piores
como aquele em que os pretos não tinham alma, para podê-los escravizar?
Ou que a pobreza é certificado de inferioridade?
Será que a redução da maioridade penal  fará
que a sociedade se ache mais aliviada desse mórbido peso?
Mas  conseguirá aliviá-la dos engôdos dessa hipocrisia,
que só matará a inocência daqueles,
que um dia, acreditaram nisso tudo?
Digam: vocês tem certeza de darem aos seus filhos
algo palpável, com tal enredo ?
Não é preferível deixar eles acreditarem no que quiserem?
Acreditam ainda que tais fábulas que vocês ensinam
farão dos filhos dos outros pessoas melhores
ou aliviarão vocês da culpa de terem vilipendiados seus próprios filhos?
Será mesmo que eles não dormiriam tranquilos sem tais subterfúgios?



segunda-feira, 13 de julho de 2015

A Magia dos símbolos

A MAGIA DOS SÍMBOLOS


De onde vêm os símbolos, vamos raciocinar pragmaticamente sobre eles? Vou teorizar sobre apenas três.
Um dos símbolos que representa a civilização ocidental já ultrapassou há séculos os muros que separam o ocidente do oriente, é a aliança de noivado. Um círculo banhado a ouro que é aceito pelo casal em sinal de compromisso e perseverança.
Outro símbolo que também significa compromisso, e nesse caso, com o escambo ou troca de mercadorias, ou seja, com o mercado em sua primitiva forma, é a moeda. Cunhada na antiguidade virou símbolo do capitalismo e tornou o mundo financeiro mais ágil e dinâmico. Depois da revolução industrial o mundo não mais vive sem dinheiro (diga lá a Grécia à beira de um colapso financeiro imposto pelos sangue-sugas do imperialismo globalizante).
Um terceiro símbolo também secular, seria a pólvora que simbolicamente representaria a Luz!
Tomemos estes três símbolos: união, ostentação e advir.
União: espiritual entre os noivos e a sociedade baseada na família tradicional; a ostentação: o sonho capitalista do lucro e ascensão social; o advir: a luz que leva humildes homens a crerem numa vida além túmulo.
Não seriam menos profícuos numa simbologia cheia de signos e significações.
Vejam: três alianças poderiam significar a trindade divina, o ser supremo multifacetado. Três moedas (talvez de prata), dinheiro que tornou-se sangue e poder , que paradoxalmente sangra e paralisa o mundo, seria a matéria quântica que ascende o espirito, intermediária entre o humano e o divino, o limiar da beatitude.
Finalmente três palitos (embora a pólvora estaria na caixinha e não no palito), frutos do labor humano, ligado à terra e sua primeva decadência de um paraíso terrestre negada a Eva que queria apossar-se do conhecimento, da árvore do bem e do mal. Tal símbolo poderia selar a comunhão com o Empireo, se consonante e temente, celebrasse com os dois primeiros o ritual da salvação.

Talvez Jung, agora desencarnado _em outros devaneios_ conseguisse com sua mestria e eloquência proclamar, num miríades de combinações possíveis, os fundamentos de uma nova psicanálise que apaziguaria, enfim, o espírito conturbado do homo sapiens, já desconfiado de sua eternidade.

Conclusão: Os símbolos surgiram antes da invenção de escrita, uma forma de comunicação do homem das cavernas  com seus familiares e com a tribo e depois uma maneira esotérica de entrar em contato com o sobrenatural. Com o passar dos anos foram se sofisticando até chegarmos  a forma lúdica, como o Tarô, por exemplo,  que surgiu como um jogo na Alemanha no século XV e em vários países da Europa e reapareceu,  séculos depois como um artifício mágico de adivinhação. Toda mistificação de símbolos surge deste modo e cai nas mãos de oportunistas e charlatães que se enriquecem graças aos incautos que caem em suas artimanhas sobre adivinhações e cursinhos pseudos científicos. O que propus acima é demonstrar como podemos conferir um significado a quaisquer objetos e transformá-los em amuletos mágicos com as mais variadas interpretações.

sábado, 4 de julho de 2015

Eras Tu

(À Ivone, minha esposa, amiga e companheira)

Comigo caminhas há tanto tempo
Que já me acostumei c’a tua presença.
Esqueci-me, então, do gélido vento
Da antes estéril e vazia existência.
Se num começo, que se faz distante,
Não sabia avaliar tamanha dádiva,
Hoje, imensurável e lancinante,
É a paixão que flui em minh’alma que ávida
Se entrega aos teus carinhos; e, no entanto
És tu que a mim se entrega na verdade,
Pois sabes deixar-me com os encantos
de teu amor, enlevado de vaidades.
Tens tanta ternura dissimulada
Em gestos firmes, que tão bem escondes,
Que sou eu e não tu, que só andas se levada;
E sem ti, se ando, é sem saber por onde.
Pois, quem eu, solitário, procurava
E desatento não a percebi chegar,
Eras tu que de fato me amparavas
E assim guiando-me, ensinaste-me a te amar.

domingo, 14 de junho de 2015

DIVERSIDADE

Nós , devemos:

aos árabes o renascimento
aos judeus, a religiosidade
aos indígenas, nacionalidade
aos lusitanos a europeia linhagem

aos romanos, a lei e o direito
aos gregos a filosofia
aos semitas,a civilização
aos africanos nossa origem

aos animais,a sobrevivência 
e as bactérias toda eugenia
e mais: ao sol nossa energia
e as estrelas a existência.

                                       A todos... Gratidão.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Pirei

Pirei


Dois terços do mundo acreditam em Brama
(deus hindu de várias cabeças), e em uma trindade
que se auto geriu (Brama, Shiva, Vishinu),
em Buda (que não crê em nenhum Deus), em Alá
(que foi revelado por um anjo a um guardador de camelos,
que acabou conquistando metade do mundo
e se contrapondo ao Deus dos Judeus).

Um terço do mundo é cristão e crê, em pleno século XXI,
que uma virgem pariu um homem que, morto, iria ressuscitar.
Criaram também sua trindade para poder explicar o inexplicável.

Num lado do mundo viaja-se até Meca
para se supliciar numa terra de ninguém,
ou auto se punem, ou fazem yoga,
ou se matam para serem saciados por mil virgens.
E outra parte _ nutrindo um ódio mortal pelos primeiros_
lamentam-se batendo a cabeça em um muro.

Outros, deste lado do mundo,
esfolam-se em escadas imensas,
cumprindo promessas a seus santos.
Aliás, santos esses negados por outros milhares,
que oram com o mesmo livro sagrado
e doam seus bens terrenos
acreditando que os terão de volta ainda em vida.

Porra!Quase 99% da humanidade estão envolvidos em algo
que, acintosamente, depõe contra a minha sanidade.

30/10/2009

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Dos Prodígios

Dos milagres

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar a água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!

Mario Quintana


(Uma mensagem dedicada a Mario Quintana)


Prodígio não é andar no mar revolto
Por ser filho de um deus, seco e enxuto
Nem voar nas asas de satã e ser tentado
Num deserto e por quarenta dias jejuado

Nem de uma virgem ter nascido
E, quando adulto, ser ressuscitado.
Prodígio foi manipularem o mundo
Com eventos tão estapafúrdios!

23/12/2011

segunda-feira, 27 de abril de 2015

E O VERBO SE FEZ CARNE...


Foi nas terras que margeiam os rios Tigres e Eufrates conhecidas como Mesopotâmia, território de muitas disputas e invasões, pois porto generoso para muitos povos nômades que viam em suas terras férteis_ irrigadas por esses grandes rios_  o fim de suas peregrinações e ali tentavam se fixar; que sumérios, caldeus, hititas, babilônios, assírios erigiram seus impérios e os viram desabar. A roda inflexível do tempo, com suas engrenagens lubrificadas pelo sangue de milhares de guerreiros, sempre é alheia a amplidão das conquistas e a intensidade de seus apogeus.
Foi nesse berço do mundo, cenário de antigas civilizações, que os hebreus em debandada _ depois que Ciro II os libertou dos babilônicos_ viram a possibilidade de terminar com suas agonias errantes, unir suas pequenas tribos e orientá-las rumo à Palestina, aonde edificariam uma das mais exuberantes cidades do mundo antigo com o seu suntuoso templo reconstruído: a bela Jerusalém.
Não foi somente a paisagem que o povo hebreu que em nome de Iawhé, na perambulação em busca da terra prometida (a terra de pão e mel), modificou. Aos poucos, no decorrer dos séculos, à medida que moldava a sua própria religião filtrando-a de seus matizes mesopotâmicas e purificando-a com sua fé inquebrantável e fanática abnegação, acabou por disseminar a crença num único Deus às tribos vizinhas e, com o decorrer dos séculos, por grande parte da humanidade. Só uma religião poderia reunir aquele povo rústico e suas tribos nem sempre pacíficas e esboçar os elementos basilares de uma nacionalidade. E assim o fez com toda rigidez, recheada de preceitos morais e jurídicos.
Se tais ordenamentos não tinham a delicadeza filosófica dos gregos, nem a precisão dos códigos romanos, serviu e foi suficiente para preservá-los como nação, mesmo no meio de invasões, jugos e tantas dispersões à que foram submetidos na terra de Canaã.
No entanto, sua crença não passou incólume a ídolos e os teve em diferentes épocas e antes que passassem pelo crivo dos profetas legisladores como Ezequiel, Melquias e Isaías, deuses babilônicos, assírios e divindades caldeias conviveram com Iawhé na mente e no espírito daqueles pastores descendentes de Abraão _ e fizeram parte de seu credo_ mesmo depois que o ensandecido Elias, enfurecido com a idolatria do povo pusesse abaixo a estátua de Baal.
A crença em um Deus, senhor do Bem e do Mal, só aos poucos lhes foi inculcada, tomada de empréstimo da doutrina de Zoroastro da invasora Pérsia já em decadência, que viu sua hegemonia sendo tragada pelos guerreiros gregos. A esperança em um Messias e seu reino não terreno despontaria séculos mais tarde nos passos do mitraísmo, seita também zoroástrica que antes dela também teve o seu crucificado, recepcionou o Império Romano e abriu as portas para Aquele que viria a ser negado pelos próprios judeus.
O espírito guerreiro dos filhos de Davi se sucumbiria diante do conquistador romano _ tripudiado pelas autoridades judaicas_ que temendo represálias e pretendendo manter o que lhe restara de privilégios e preservar o culto e suas sinagogas, renderam-se às exigências de um Império que manteria as tradições dos vencidos em troca da extirpação de qualquer tentativa de emancipação e rebeldia. Porém nem todos aceitaram de bom grado a conivência servil dos fariseus, nem o colaboracionismo dos saduceus. As estradas, então, foram ficando pontilhadas de cruzes, evidenciando que não se deveria duvidar da intolerância romana. Na sua expansão o Império Romano tratava de perpetuar sua dominação sobre os povos dominados em dois sentidos: exigindo obediência e  a submissão guerreira dos adolescentes masculinos dos povos dominados _ raptados de seus pais_ e tirando a virgindade de suas donzelas. O Império assumiria assim total supremacia sobre seus servos, espiritual e geneticamente.
Na reviravolta da História, Roma, sitiada pelos bárbaros, clamava por uma nova religião que unificasse o Império decadente. O cristianismo, então, nascido no Oriente, assimilaria os ritos romanos, impor-lhe-ia um novo calendário com novos mitos e contribuiria assim para a decadência romana que levaria o Ocidente à Idade das Trevas... Debaixo das vestes papais.

Primeiro dia do ano um de Nosso Senhor Jesus Cristo.

sábado, 25 de abril de 2015

CAMAFEU


Como um camafeu
por deuses esculpido
reparto-me em filigranas
dobras, ranhuras
nas cavas céticas de reminiscências vãs
soçobrando-me em dúvidas
que se esboroaram numa mente sã.
E, no anacronismo desta moldura estéril
sobram-me estilhaços n'alma débil
chamuscada na lava do não-ser
que se expandem
ferindo em setas
meu corpo
 ateu.

junho/97

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Um Terceiro Deus

Um Terceiro Deus”

Creio que as teses de Huntington sobre o “choque de civilizações”, atacadas por uns e celebradas por outros aquando do seu aparecimento, mereceriam agora um estudo mais atento e menos apaixonado. Temo-nos habituado à ideia de que a cultura é uma espécie de panaceia universal e de que os intercâmbios culturais são o melhor caminho para a solução de conflitos. Sou menos optimista. Creio que só uma manifesta e ativa vontade de paz poderia abrir a porta a esse fluxo cultural multidirecional, sem ânimo de domínio de qualquer de suas partes. Essa vontade talvez exista por aí, mas não os meios para concretizar. Cristianismo e islamismo continuam a comportar-se como inconciliáveis irmãos inimigos incapazes de chegar ao verdadeiro pacto de não agressão que talvez trouxesse alguma paz no mundo. Ora, já que inventámos Deus e Alá, com os desastrosos resultados conhecidos, a solução talvez estivesse em criar um terceiro deus com poderes suficientes para obrigar os impertinentes desavindos a depor as armas e deixar a humanidade em paz. E que depois esse terceiro deus nos fizesse o favor de retirar-se do cenário aonde se vem desenrolando a tragédia de um inventor, o homem, escravizado pela sua própria criação, deus. O mais provável, porém, é que isso não tenha remédio e que as civilizações continuem a se chocar umas com as outras.

José Saramago
                                                                                                                        (16/11/1922 - 18/06/2010)

O texto de J. Saramago, escrito pouco antes de seu falecimento, hoje, que o Estado Islâmico reivindica a sua existência, com métodos bárbaros e um fanatismo insano, assume um contexto histórico e aterrorizador. Esse conflito interminável poderá levar à região a maior guerra fratricida dos últimos cinquenta anos. Geopoliticamente falando, o estado judeu já se prepara para enfrentar a agora ISIS. Israel tem um exército aéreo e nuclear que supera seus rivais somados : Irã, Síria, Líbia, Iraque, etc... E não titubeará em invadir suas fronteiras. O Estado Islâmico por sua vez nada mais quer do que avançar em uma terra arrasada.