Freud escreveu que foi reprimido no homem, uma vez que a convivência tribal acabou por forçar o estabelecimento de tabus: o canibalismo, o incesto e o bissexualismo, para que fossem possíveis a sobrevivência e a perpetuação da raça. Que tais proibições tivessem o aval religioso e se transformassem em leis divinas foi uma questão de tempo. Dificilmente haveria outro artifício mais eficiente.
Se quanto ao canibalismo, o avanço
da civilização humana (refiro-me ao pastoreio e depois a revolução
agrícola que proporcionou o acúmulo e estoques de produtos) fala
por si só, o incesto, apesar de trazer degenerências cerebrais e na
anatomia humana (tabu ainda hoje, pouco discutido pela sociedade e
até onde eu sei, pela própria ciência médica), era inevitável
quando a raça humana era composta de tribos, muito pouco maiores que
uma grande família. (Darwin, no século XIX, preocupado com sua
própria família _ que tinha casamentos entre primos próximos _
pesquisou muito isso. No entanto, suas pesquisas pouco foram
divulgadas ou estudadas. Deu-se mais ênfase a teoria da origem das
espécies, o evolucionismo, um trabalho bem mais intenso e que o
tornou famoso). Portanto, proibir o incesto, depois que a população
humana expandiu-se pela Terra, era biologicamente natural e
necessário e tal transgressão passou a ser imperativo para a
proteção da família e da moral religiosa.
Porém, quanto ao bissexualismo, Freud
chegou em suas pesquisas e intuição a algo que vai além da
psicanálise e, acredito, entra no campo da biologia** e da genética
humana. Ou seja, somos todos bissexuais, ou fomos, nos primórdios da
infância. Eu, você e até (e principalmente ) Bolsonaro, pois está
implícito que todo homofóbico carrega uma bissexualidade reprimida e
que se manifesta com agressiva violência quando provocada por cenas
homo-afetivas. Se nos mantemos sexualmente héteros é devido a
repressão, como escreveu Freud e ao desenvolvimento de
características intrínsecas e anatômicas dos gêneros, digo eu.
Com isso não quero dizer que bissexualidade é algo que está sendo
oculta pelo sexo masculino ou por todos os homens e mulheres, não
gays. Ou seja, todos que se dizem héteros não estão enganando a si
mesmo e dificilmente consentiriam uma relação homossexual. Mas,
vale lembrar, sempre negamos nossos próprios medos.
Um estudo sobre alcoolismo, citado no livro
“ História da psiquiatria” é revelador . Segundo seus autores
Franz G. Alexander e Sheldon T. Selesnink, publicado em 1965,
discorre sobre os efeitos do álcool (e outras drogas, também
desinibidoras): “Os primeiros psicanalistas que discutiram o
alcoolismo acentuaram o efeito desinibidor da droga; reduz repressões
e permite expressão mais livre de desejos opostos ao ego, em sua
maioria infantis (…) Entre as tendências reprimidas que os
primeiros pesquisadores psicanalisticos observaram mobilizar-se sob
a ação do álcool, estavam os desejos de dependência oral e os
desejos homossexuais passivos latentes. Impulsos heterossexuais e
hostis reprimidos ou inibidos foram também mencionados por vários
observadores”. Ou seja, não é regra; mas pode explicar Sodoma e
Gomorra bíblicas, a sociedade da Grécia antiga _ onde o
bissexualismo era permitido e até incentivado nas classes mais
abastadas_ a própria homofobia e suas atitudes de intolerância e
ódio. Para aqueles que concebem o homossexualismo como doença e
advogam sua possível cura ou aos evangélicos que bradam a sua
exorcização, aconselho se aprofundarem na literatura, tão extensa,
sobre o tema e talvez assim seus recalques possam ser melhor
trabalhados e, finalmente, deixarão em paz a vida alheia.
- 1. Freud, até onde li, não se refere a homossexualidade feminina, e as pesquisas dos autores de “História da Psiquiatria”, que citei, se restringem ao universo masculino.
- 2. Se eu não estiver falando bobagem, do pouco que entendo de genética e reprodução humana, dos 46 cromossomos que legamos no ato da fecundação: 23 do espermatozoide e 23 do óvulo, geneticamente, o filho recebe da mãe um cromossomo X (feminino) e do pai um cromossomo Y (masculino); a filha recebe do pai e da mãe dois cromossomos X, um do pai, outro da mãe.
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