terça-feira, 9 de agosto de 2016

Senhor Propinas



A perfídia pode ser justificável em um caso:
é-o somente quando empregada
para punir e atraiçoar a perfídia.”
MICHEL DE MONTAIGNE


Juro que não o conheci.
Apesar de todas as evidências, jamais conversei com ele. Comentários fortuitos de pessoas com mentes deturpadas afirmam o contrário. Na dúvida, tentarei ser imparcial, apesar dessa atenuante não acrescentar um décimo à narrativa.
Vamos-nos, então, a ela: Funcionário graduado de uma repartição pública ele adorava holofotes. Ninguém entre os seus amigos duvidava de sua capacidade para exercer tal cargo, e, ponderando devidamente, ele tinha de fato todas as características para exercê-lo, inclusive a vaidade e a falta de modéstia. Era falante e prolixo; falastrão e arrogante; muitas vezes chato, mas, incrivelmente convincente.
Numa cidadezinha do interior passaria por bom caráter e inteligente, porém, aqui, apêndice de uma metrópole devoradora que estende seus tentáculos por todos os espaços e consciências, não era uma coisa nem outra: chegava a ser ridículo, quase patético e sempre capcioso.
Dizia-se corintiano. Nada tenho contra alguém se identificar com um time, mesmo porque me digo palmeirense. O que me é difícil aceitar é o fanatismo exacerbado, pois nele a ânsia de se avocar o próprio time, acaba sempre na suprema idiotice de jactar-se como defensor acéfalo dele.
E tinha outras condutas pouco recomendáveis: um vizinho meu __ e disso tenho imensas razões para não duvidar __ disse ter-lhe entregue, quando trabalhava em um escritório imobiliário, vários envelopes, por muitos meses seguidos, que dificilmente seriam apenas afáveis recados. Inúmeras empreiteiras ligadas a sua família assumiam licitamente todas as obras do município e como o seu superior, religioso, jamais abria mão de um terço, é fácil concluir que ele, católico praticante, também rezava com igual fervor. Só tamanha fé poderia dar sustentação arquitetônica as suas mansões na praia, devidamente registradas em nome de seus irmãos. Certa vez teve a ousadia de, em plena era da computação, com programas da NASA esmiuçando via satélite, em detalhes, todos os quadrantes do globo, propor que helicópteros sobrevoassem a cidade para redimensionar a área urbana do município. Tais aeronaves nunca cruzaram os céus; mas, dizem as más línguas que verbas para esse fim, voaram dos cofres públicos.
Porém eram outras as características que o marcavam, uma delas era sua apreciação às flores de cemitério e se dependesse dele, gerânios e azaleias cobririam toda a cidade. Outra era sua profícua capacidade de arrimar-se entre amigos e acólitos, num pequeno bar no centro da cidade, onde só corintianos tinham vez. Ali patrocinava festinhas e lacônico, destilava seu longo conhecimento acadêmico sobre seu time e suas crenças. Sê contrariado, perdia imediatamente o seu ar de bonachão e de dedo em riste investia aos brados contra o seu desafeto. Neste momento todos os seus séquitos vibravam, defendiam-no, irritados com o individuo que ousava a desafiar o seu líder. Só ideias e opiniões que não o contradissessem poderiam proliferar naquele lugar, pois para ele o verbo admitir só tinha três flexões possíveis: Não admito! Não admito que você admita e não admito que você deixe que admitam o que eu não admito. (Dar-se-ia muito bem nos tempos da Redentora).
Dizem, hoje, mesmo aqueles que não pertenciam ao seu rol de bajuladores, que as denúncias que o levaram as teias da justiça não fazem jus ao seu apelido __ estão aquém dele __ e, juro (mais uma vez), que nada tenho a ver com elas. ...Nem meu vizinho.




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