“ A perfídia pode ser
justificável em um caso:
é-o somente quando
empregada
para punir e atraiçoar a
perfídia.”
MICHEL DE MONTAIGNE
Juro
que não o conheci.
Apesar de todas as evidências,
jamais conversei com ele. Comentários fortuitos de pessoas com
mentes deturpadas afirmam o contrário. Na dúvida, tentarei ser
imparcial, apesar dessa atenuante não acrescentar um décimo à
narrativa.
Vamos-nos, então, a ela:
Funcionário graduado de uma repartição pública ele adorava
holofotes. Ninguém entre os seus amigos duvidava de sua capacidade
para exercer tal cargo, e, ponderando devidamente, ele tinha de fato
todas as características para exercê-lo, inclusive a vaidade e a
falta de modéstia. Era falante e prolixo; falastrão e arrogante;
muitas vezes chato, mas, incrivelmente convincente.
Numa cidadezinha do interior
passaria por bom caráter e inteligente, porém, aqui, apêndice de
uma metrópole devoradora que estende seus tentáculos por todos os
espaços e consciências, não era uma coisa nem outra: chegava a ser
ridículo, quase patético e sempre capcioso.
Dizia-se corintiano. Nada tenho
contra alguém se identificar com um time, mesmo porque me digo
palmeirense. O que me é difícil aceitar é o fanatismo exacerbado,
pois nele a ânsia de se avocar o próprio time, acaba sempre na
suprema idiotice de jactar-se como defensor acéfalo dele.
E tinha outras condutas pouco
recomendáveis: um vizinho meu __ e disso tenho imensas razões para
não duvidar __ disse ter-lhe entregue, quando trabalhava em um
escritório imobiliário, vários envelopes, por muitos meses
seguidos, que dificilmente seriam apenas afáveis recados. Inúmeras
empreiteiras ligadas a sua família assumiam licitamente todas as
obras do município e como o seu superior, religioso, jamais abria
mão de um terço, é fácil concluir que ele, católico praticante,
também rezava com igual fervor. Só tamanha fé poderia dar
sustentação arquitetônica as suas mansões na praia, devidamente
registradas em nome de seus irmãos. Certa vez teve a ousadia de, em
plena era da computação, com programas da NASA esmiuçando via
satélite, em detalhes, todos os quadrantes do globo, propor que
helicópteros sobrevoassem a cidade para redimensionar a área urbana
do município. Tais aeronaves nunca cruzaram os céus; mas, dizem as
más línguas que verbas para esse fim, voaram dos cofres públicos.
Porém eram outras as
características que o marcavam, uma delas era sua apreciação às
flores de cemitério e se dependesse dele, gerânios e azaleias
cobririam toda a cidade. Outra era sua profícua capacidade de
arrimar-se entre amigos e acólitos, num pequeno bar no centro da
cidade, onde só corintianos tinham vez. Ali patrocinava festinhas e
lacônico, destilava seu longo conhecimento acadêmico sobre seu time
e suas crenças. Sê contrariado, perdia imediatamente o seu ar de
bonachão e de dedo em riste investia aos brados contra o seu
desafeto. Neste momento todos os seus séquitos vibravam,
defendiam-no, irritados com o individuo que ousava a desafiar o seu
líder. Só ideias e opiniões que não o contradissessem poderiam
proliferar naquele lugar, pois para ele o verbo admitir só tinha
três flexões possíveis: Não admito! Não admito que você admita
e não admito que você deixe que admitam o que eu não admito.
(Dar-se-ia muito bem nos tempos da Redentora).
Dizem, hoje, mesmo aqueles que
não pertenciam ao seu rol de bajuladores, que as denúncias que o
levaram as teias da justiça não fazem jus ao seu apelido __ estão
aquém dele __ e, juro (mais uma vez), que nada tenho a ver com elas.
...Nem meu vizinho.
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