quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Hospedeiro

HOSPEDEIRO
(o fantástico mundo quântico da biologia molecular)

Pense por um segundo que seja no que estamos fazendo neste exato momento de nossas vidas. Com certeza, bem pouco. Somos um minúsculo absoluto do nada. Se, em toda nossa plenitude, tivéssemos consciência disso, seria tão grandiloquente quanto supérfluo, diante da imensidão e da magnitude cósmica onde estamos inseridos.
Nessa paradoxal grandiloquência e pequenez _ colhida pela imensidade do Universo em seus bilhões de mundo hoje percebíveis_ tecemos tão nefastas quanto prolíferas ideias e criatividades. Somos capazes de tudo, para o bem ou para o mal. E isso nos oprime e nos exalta!
Sermos esse ser cósmico, imprescindível e pequeno, único e multifacetado, horripilantemente potente e frágil, faz desse paroxismo nossa epopeia suicida, pois, tudo construímos, tudo destruímos e de tudo nos omitimos. Resumindo: somos o máximo do mínimo possível. Miragens de um “vir-a-ser” grandioso possível e ao mesmo tempo, inalcançáveis.
Se nos retirarmos humildes dos Cosmos e nos esmiuçarmos nas moléculas de nosso corpo, essa constatação se amplia! Fomos concebidos do nada na vasta imensidão de um planeta feroz. E se darwiniamente considerarmos a disputa tresloucada de minúsculos espermatozoides _ menor célula do corpo humano, centenas de vezes menor que o óvulo (numa diferença comparativa entre a Terra e Júpiter)_ que partem em uma corrida desenfreada para saciarem a fome no citoplasma generoso da amada parceira ovular, veremos que a sobrevivência ou adaptação dos mais capazes é o único impulso que temos naquilo que alguns chamam de milagre da vida e veremos que nada mais somos do que infinitesimais partículas carregadas de bactérias. E só bebemos, comemos, respiramos e nos apaixonamos graças a elas e, para recompensá-las por tudo isso, as alimentamos e deixamos que também ávidamente disputem os nutrientes do citoplasma de nossas próprias células.
Richard Dawkins, sabiamente, dá voz à Thermus aquaticus: “Olhem a vida de nossa perspectiva e vocês, eucariotas, logo deixarão de lado toda a empáfia. Seus primatas bípedes, bando de tupaias cotós, peixes de nadadeiras lombada dessecados! Seus vermes vertebrados, esponjas turbinadas com genes Hos, emergentes, eucariotas, congregações quase indistinguíveis de uma paroquia monotonamente restrita! Vocês nada são além de uma espuma extravagante na superfície da vida bacteriana ! Ora, as próprias células de vocês são construídas de colônias de bactérias, e reproduzem os mesmos velhos truques que nós, bactérias, descobrimos há um bilhão de anos. Nós estávamos aqui, antes de vocês chegarem, e aqui estaremos depois que vocês se forem”.*
Nessa epopeia pela vida nos fragmentamos a todo momento e só não se apercebemos disso por não temos capacidade para isso...nosso cérebro nos livra desse deslumbrante horror . Com a palavra Steve Grand: Pense numa experiência de sua infância. Alguma coisa de que você se lembre bem, alguma coisa que você consiga ver, sentir, talvez até cheirar, como se estivesse mesmo lá. Afinal, você estava mesmo lá, naquela época, não estava? Senão, como iria se lembrar? Mas aqui vem a bomba: você não estava lá. Nem um único átomo que está no seu corpo hoje estava lá quando aquilo aconteceu […] A matéria flui de lugar para lugar e por um instante reúne-se para formar você. O que quer que você seja, portanto, você não é aquilo de que é feito. Se isso não faz você sentir um calafrio na espinha, leia de novo até que faça, porque isso é importante.* *
O fato de termos vida e de termos nascido no reino animal, deveu-se apenas porque o silício foi substituído pelo carbono em nossa composição. Poderíamos ser um simples quartzo ou estar vagando nos circuitos de um computador. E pouco importa se a vida veio encrustada na cabeça de um cometa, há bilhões de ano-luz daqui, se foi gerada nas profundezas vulcânicas dos oceanos, ou ainda, se surgiu de maneira singular numa tépida lagoa de Darwin neste minúsculo planeta; somos, de uma maneira toda especial, o seu mais complexo hospedeiro!

* “Na trilha dos nossos ancestrais – A grande História da Evolução”, pag 641. Ed. Companhia das Letras. Richard Dawkins;
** “Deus, um Delírio”, pag.470. Idem. Richard Dawkins.

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