HOSPEDEIRO
(o
fantástico mundo quântico da biologia molecular)
Pense por um segundo que seja no que estamos
fazendo neste exato momento de nossas vidas. Com certeza, bem pouco.
Somos um minúsculo absoluto do nada. Se, em toda nossa plenitude, tivéssemos consciência disso, seria tão grandiloquente quanto
supérfluo, diante da imensidão e da magnitude cósmica onde estamos
inseridos.
Nessa paradoxal grandiloquência e pequenez _ colhida pela imensidade do Universo em seus bilhões de mundo hoje
percebíveis_ tecemos tão nefastas quanto prolíferas ideias e
criatividades. Somos capazes de tudo, para o bem ou para o mal. E
isso nos oprime e nos exalta!
Sermos esse ser cósmico, imprescindível e pequeno,
único e multifacetado, horripilantemente potente e frágil, faz
desse paroxismo nossa epopeia suicida, pois, tudo construímos, tudo
destruímos e de tudo nos omitimos. Resumindo: somos o máximo do
mínimo possível. Miragens de um “vir-a-ser” grandioso possível
e ao mesmo tempo, inalcançáveis.
Se nos retirarmos humildes dos Cosmos e nos esmiuçarmos
nas moléculas de nosso corpo, essa constatação se amplia! Fomos
concebidos do nada na vasta imensidão de um planeta feroz. E se
darwiniamente considerarmos a disputa tresloucada de minúsculos espermatozoides _ menor célula do corpo humano,
centenas de vezes menor que o óvulo (numa diferença comparativa
entre a Terra e Júpiter)_ que partem em uma corrida desenfreada para saciarem a fome no citoplasma generoso da amada parceira
ovular, veremos que a sobrevivência ou adaptação dos mais capazes
é o único impulso que temos naquilo que alguns chamam de milagre da
vida e veremos que nada mais somos do que infinitesimais partículas
carregadas de bactérias. E só bebemos, comemos, respiramos e nos
apaixonamos graças a elas e, para recompensá-las por tudo isso, as
alimentamos e deixamos que também ávidamente disputem os nutrientes
do citoplasma de nossas próprias células.
Richard Dawkins, sabiamente, dá voz à
Thermus aquaticus: “Olhem a vida de nossa perspectiva e vocês,
eucariotas, logo deixarão de lado toda a empáfia. Seus primatas
bípedes, bando de tupaias cotós, peixes de nadadeiras lombada
dessecados! Seus vermes vertebrados, esponjas turbinadas com genes
Hos, emergentes, eucariotas, congregações quase indistinguíveis de
uma paroquia monotonamente restrita! Vocês nada são além de uma
espuma extravagante na superfície da vida bacteriana ! Ora, as
próprias células de vocês são construídas de colônias de
bactérias, e reproduzem os mesmos velhos truques que nós,
bactérias, descobrimos há um bilhão de anos. Nós estávamos aqui,
antes de vocês chegarem, e aqui estaremos depois que vocês se
forem”.*
Nessa
epopeia pela vida nos fragmentamos a todo momento e só não se
apercebemos disso por não temos capacidade para isso...nosso cérebro
nos livra desse deslumbrante horror . Com
a palavra Steve Grand: Pense numa experiência de sua infância.
Alguma coisa de que você se lembre bem, alguma coisa que você
consiga ver, sentir, talvez até cheirar, como se estivesse mesmo lá.
Afinal, você estava mesmo lá, naquela época, não estava? Senão,
como iria se lembrar? Mas aqui vem a bomba: você
não estava lá.
Nem um único átomo que está no seu corpo hoje estava lá quando
aquilo aconteceu […] A matéria flui de lugar para lugar e por um
instante reúne-se para formar você. O que quer que você seja,
portanto, você não é aquilo de que é feito. Se isso não faz você
sentir um calafrio na espinha, leia de novo até que faça, porque
isso é importante.* *
O
fato de termos vida e de termos nascido no reino animal, deveu-se
apenas porque o silício foi substituído pelo carbono em nossa
composição. Poderíamos ser um simples quartzo ou estar vagando nos
circuitos de um computador. E pouco importa
se a vida veio encrustada na cabeça de um cometa, há
bilhões de ano-luz daqui, se foi gerada nas profundezas vulcânicas dos oceanos, ou ainda, se surgiu de maneira singular numa
tépida lagoa de Darwin neste minúsculo planeta; somos, de uma
maneira toda especial, o seu mais complexo hospedeiro!
* “Na
trilha dos nossos ancestrais – A grande História da Evolução”,
pag 641. Ed. Companhia das Letras. Richard Dawkins;
** “Deus, um Delírio”, pag.470. Idem. Richard Dawkins.
** “Deus, um Delírio”, pag.470. Idem. Richard Dawkins.
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