quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Meu tempo VI - Prestes


ESQUERDA VOLVER

          Anos atrás fiz 50 anos e comecei a dar vazão a alguns detalhes que com o tempo nos apegamos e as datas que se tornaram  para nós tão especiais. O tempo torna-nos nostálgico com o seu passado cheio de cheiros, odores e imagens e muitas vezes romanceamos demais coisas que não teve tanta importância assim ou não damos o real valor a outras que de fato mereciam. Li em um dos livros de Umberto Eco que ele se lamentava de ser muito jovem nos anos quarenta e não viver a guerra que abalou o planeta e, anos depois, em 1968, o seu lamento era por ser velho demais e não ter participado ativamente das revoluções que sacudiram a França e o resto do mundo. Eu, ao contrário, era jovem demais em 1968 e só me senti inscrito na história de militância política no final dos anos 70 _ um pouco antes da fundação do PT (Partido dos Trabalhadores -1981)_  já nos estertores do golpe militar de 64, que forjaram os heróis da resistência. Em 1969, em pleno AI-5, dava-me ao luxo de me encantar com as maquiagens televisivas da chegada do homem à Lua e depois com o patriotismo da minha primeira copa do mundo, onde o Brasil, verde-amarelo, sagrar-se-ia tricampeão de futebol. (Na casa de vizinhos e parentes, claro, pois na minha ainda não chegara a televisão). Só alguns anos mais tarde, na minha militância tardia, foi que comecei a cultuar meus primeiros heróis: Che Guevara, Fidel Castro, Charlie Chaplin, Pablo Neruda, Octávio Paz e depois James Joplin, Bob Dylan e depois Chico Buarque, Lula, Paulo Freire entre outros e outros depois...

O CAVALEIRO DA ESPERANÇA

           A vida é uma eterna vigília, só adormecemos porque a fadiga nos envolve e teremos que acordar amanhã anestesiados ainda por sonhos que nunca nos abandonarão, a não ser quando a própria vida nos abandonar. Cada dia é uma incógnita que teremos que desvendar, mesmo que acabe por se perder na pasmaceira cotidiana das coisas sem muito sentido. Às vezes, porém, somos surpreendidos pelo inusitado: Na manhã de sete de março, com chuva fina _ coisa rara neste verão de 2010, no Rio de Janeiro _ sai de casa a caminhar. Sem exatamente saber para aonde ir e me dirigi ao cemitério de São João Batista, pensando_ movido por uma tênue curiosidade, em conhecer túmulos de muitas figuras históricas, que sabia lá existir_ caminhei em estreitas alamedas, procurando aleatoriamente reconhecer algum nome, alguma lápide famosa. Como aqueles que agora jazem naquele campo, nós também fazemos dos emaranhados da vida o fio condutor que nos encaminhará para o nosso próprio desfecho, raramente feliz. Traçamos assim, quase sempre ao acaso _ na trança dúbia e incerta de um diálogo impossível conosco mesmo_ os mesmos fios que nos conduzirão pela vida. Algumas imagens dessas teias que nos enrolam e nos paralisam, ajudam-nos a pinçar a dor e ansiedade de fatos irrecuperáveis. Assim pensando deparei-me com um aglomerado de homens e mulheres _ a maioria idosa que ornavam de flores (as rosas vermelhas que ele sempre cultivou) um túmulo modesto.            Tomado de curiosidade, deles me aproximei e para deleite meu, como que meus pensamentos tivessem sido ouvidos pelas franjas do tempo, essas pessoas prestavam homenagem a Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, morto há exatos vinte anos. Na fina chuva que varria o cemitério, as janelas do tempo de repente para mim se abriram e pude de novo ver a figura já envergada do velho Prestes a contar mais uma vez, nos vários comícios que assisti sobre a Coluna Prestes, e de toda essa epopeia que atravessou o Brasil, confundindo-se com a sua própria história de luta e resistência que se prolongou por mais de cinco décadas. Esse cenário me lavou o espirito rebelde  excluso aqui no Rio de Janeiro e fiquei como que extasiado com a singela homenagem prestada quase que anonimamente a um dos grandes heróis da História e da esquerda brasileira.

2 comentários:

  1. Acompanhei o cortejo fúnebre de Prestes desde a Lapa até o São João Batista. No bar onde estávamos, meu amigo, Seu Guerra, um homem de direita que apoiara o golpe de 64 e achava que os milicos tinham ido embora cedo demais, exigiu do dono do botequim que baixasse as portas durante a passagem do féretro. Como faz falta o Cavaleiro da esperança! Como faz falta Seu Guerra e seu respeito por quem ele sempre vira como adversário.

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