ESQUERDA
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Anos atrás fiz 50
anos e comecei a dar vazão a alguns detalhes que com o tempo nos
apegamos e as datas que se tornaram para nós tão especiais. O tempo
torna-nos nostálgico com o seu passado cheio de cheiros, odores e
imagens e muitas vezes romanceamos demais coisas que não teve tanta
importância assim ou não damos o real valor a outras que de fato
mereciam. Li em um dos livros de Umberto Eco que ele se lamentava de
ser muito jovem nos anos quarenta e não viver a guerra que abalou o
planeta e, anos depois, em 1968, o seu lamento era por ser velho
demais e não ter participado ativamente das revoluções que
sacudiram a França e o resto do mundo. Eu, ao contrário, era jovem
demais em 1968 e só me senti inscrito na história de militância política no
final dos anos 70 _ um pouco antes da fundação do PT (Partido dos Trabalhadores -1981)_ já
nos estertores do golpe militar de 64, que forjaram os
heróis da resistência. Em 1969, em pleno AI-5, dava-me ao luxo de
me encantar com as maquiagens televisivas da chegada do homem à Lua
e depois com o patriotismo da minha primeira copa do mundo, onde o
Brasil, verde-amarelo, sagrar-se-ia tricampeão de futebol. (Na casa
de vizinhos e parentes, claro, pois na minha ainda não chegara a
televisão). Só alguns anos mais tarde, na minha militância tardia,
foi que comecei a cultuar meus primeiros heróis: Che Guevara, Fidel
Castro, Charlie Chaplin, Pablo Neruda, Octávio Paz e depois James
Joplin, Bob Dylan e depois Chico Buarque, Lula, Paulo Freire entre outros e outros depois...
O
CAVALEIRO DA ESPERANÇA
A vida é uma eterna vigília, só adormecemos
porque a fadiga nos envolve e teremos que acordar amanhã
anestesiados ainda por sonhos que nunca nos abandonarão, a não ser
quando a própria vida nos abandonar. Cada dia é uma incógnita que
teremos que desvendar, mesmo que acabe por se perder na pasmaceira
cotidiana das coisas sem muito sentido. Às vezes, porém, somos
surpreendidos pelo inusitado: Na manhã de sete de março, com chuva
fina _ coisa rara neste verão de 2010, no Rio de Janeiro _ sai de
casa a caminhar. Sem exatamente saber para aonde ir e me dirigi ao
cemitério de São João Batista, pensando_ movido por uma tênue
curiosidade, em conhecer túmulos de muitas figuras históricas, que
sabia lá existir_ caminhei em estreitas alamedas, procurando
aleatoriamente reconhecer algum nome, alguma lápide famosa. Como
aqueles que agora jazem naquele campo, nós também fazemos dos
emaranhados da vida o fio condutor que nos encaminhará para o nosso
próprio desfecho, raramente feliz. Traçamos assim, quase sempre ao
acaso _ na trança dúbia e incerta de um diálogo impossível
conosco mesmo_ os mesmos fios que nos conduzirão pela vida. Algumas
imagens dessas teias que nos enrolam e nos paralisam, ajudam-nos a
pinçar a dor e ansiedade de fatos irrecuperáveis. Assim pensando
deparei-me com um aglomerado de homens e mulheres _ a maioria idosa
que ornavam de flores (as rosas vermelhas que ele sempre cultivou) um túmulo modesto. Tomado de curiosidade,
deles me aproximei e para deleite meu, como que meus pensamentos
tivessem sido ouvidos pelas franjas do tempo, essas pessoas prestavam
homenagem a Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”,
morto há exatos vinte anos. Na fina chuva que varria o cemitério,
as janelas do tempo de repente para mim se abriram e pude de novo ver
a figura já envergada do velho Prestes a contar mais uma vez, nos
vários comícios que assisti sobre a
Coluna Prestes, e de
toda essa epopeia que atravessou o Brasil, confundindo-se com a sua
própria história de luta e resistência que se prolongou por mais
de cinco décadas. Esse cenário me lavou o espirito rebelde excluso aqui no
Rio de Janeiro e fiquei como que extasiado com a singela homenagem prestada quase que anonimamente a um dos grandes heróis da História e da esquerda brasileira.
Acompanhei o cortejo fúnebre de Prestes desde a Lapa até o São João Batista. No bar onde estávamos, meu amigo, Seu Guerra, um homem de direita que apoiara o golpe de 64 e achava que os milicos tinham ido embora cedo demais, exigiu do dono do botequim que baixasse as portas durante a passagem do féretro. Como faz falta o Cavaleiro da esperança! Como faz falta Seu Guerra e seu respeito por quem ele sempre vira como adversário.
ResponderExcluirObrigado Jorge Gomes pela visita! Um abraço!
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