sábado, 14 de janeiro de 2017

Meu Tempo VIII - Velho Lima


Um livro não escrito:

          Em final de 2002, resolvi por no papel um projeto que tinha há alguns anos: escrever sobre um amigo que tive o prazer de conhecer em 1981, quando me filiei ao PT. Ele foi um militante comunista filiado ao antigo PCB e, como muitos, cassado e preso, em l968, pela ditadura militar. Chamava-se Manoel Bendito de Lima, que por respeito e admiração, ouso me dirigir aqui como Velho Lima. Eu tinha acabado de lançar um livro de contos _se é que se possa chamar de lançamento uma brochura de cento e trinta páginas, com apenas cem exemplares, embora minha mulher tenha observado que jamais me tinha visto em tal estado de felicidade_ e talvez, entusiasmado com o feito, achei-me à altura para tal ousadia. Mesmo inseguro com a empreitada, consegui convencer alguns amigos para me ajudar na tarefa, muitos deles que fatalmente seriam incluídos na narrativa, pois de uma forma ou outra fizeram parte dela. A minha intenção era escrevê-la romanceada para mais facilmente ir preenchendo as lacunas da história, e não transformá-la em um documentário ou biografia.
               Até a data que escrevo ainda não consegui esse feito, embora se encontre até hoje em uma caixa de papelão, junto com outros rascunhos, mais de trezentas páginas manuscritas, reportagens, entrevistas e coisas mais, à espera de condições favoráveis para tanto. Entre os amigos que resolveram me ajudar nessa empreitada devo destacar a figura de Rubens Magalhães, falecido recentemente, em 2010. Advogado sindicalista durante longa parte de sua vida foi muito ligado ao velho Lima e se mostrou solícito em tudo que tive a ousadia de lhe pedir. Concedeu entrevista, forneceu materiais da época e inclusive, embora já debilitado fisicamente, não se furtou a nos acompanhar ao antigo DOPS _ Delegacia de Ordem Política e Social_, em São Paulo, hoje um museu com todos os arquivos possíveis do tempo da repressão. Morreu em 2010, sem ver esse trabalho concluído e é sem dúvida, a primeira dívida que tenho que computar; ou melhor, a segunda, pois antes dele, faleceu Dona Teresa, grande amiga e simpática senhora, esposa de Lima, com qual conversei muito sobre o projeto e da qual ela contribuiu com depoimentos emocionantes e entusiasmados que eu passo a relatar agora sem o carinho, nem a paixão de esposa: 
              Ele, Lima,  depois de abandonar sua crença religiosa que o fazia pregar sermões nas praças de Salvador, onde conheceu Luís Carlos Prestes, candidato a senador da república, (em 1946). De pregador evangélico foi resgatado pela militância comunista e escreveu sem o saber uma das mais belas histórias de luta e resistência contra o regime militar que sublevou o país por mais de vinte anos. 
             Quando chegou a Mogi das Cruzes, já integrado aos quadros do Partido ia de bicicleta entregar os panfletos e jornais do PC, antes mesmo do sol iluminar suas esburacadas ruas. Lutou aqui, como sindicalista por mais de vinte anos sendo várias vezes preso e nessa cidade passou os restos de seus dias, vindo a falecer em 17 de abril de 1994 vítima de um câncer intestinal, do qual pouco reclamou, com certeza por ter aprendido a suportar a dor e a tortura, mesmo quando arrastado de hospital a hospital até conseguirmos (seu filho, Lima Filho e eu) interná-lo em São Paulo. (Lima nunca relatou torturas físicas pelos presídios por quais passou; mas, sim,  que eles eram obrigados a ouvir nas ante-salas de suplícios a agonia e gritos dos torturados. O pânico os invadia pelo pavor de ser o próximo e ter que confirmar ou desmentir as delações saídas dessas salas de horror. Quando, no outro dia, iam tomar banho-de-sol, assoviavam a Internacional com a quase certeza que os carcereiros ou vigias não tinham a menor ideia do que se tratasse).
               Uma foto de Lima com Prestes foi-me dada por um dos seus amigos, e meu também, Plínio José Romeiro_ infelizmente também recentemente falecido (2016)_ e se encontra entre as cópias de antigas fichas e escritos recolhidos no antigo DOPS.


*

               Esta será uma história verídica em homenagem a Manoel Benedito de Lima e a todos aqueles que nem a anistia, nem a liberdade e nem o avanço da democracia conseguiram resgatar. Relato-a romanceada e muito do enredo, principalmente aquilo que salta de sua infância e adolescência, é peça empobrecida da imaginação do autor, embora tenha sido colhido aos pedaços das reminiscências de alguns poucos que tiveram o privilégio de conhecê-lo.
Peço, portanto, a complacência daqueles que de alguma maneira se sentirão frustrados com o mau uso de suas contribuições. A eles meus agradecimentos e minha eterna gratidão e também, antecipadamente, minhas sinceras desculpas. Realço: qualquer fato omitido, negligenciado ou fora do contexto é de inteira responsabilidade do autor.

P.S: Esta quase promessa de escrever a vida de Manoel Benedito de Lima ainda não foi cumprida, mas ainda não desisti.    

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